A relação entre a teoria e a prática da arquitetura não é direta nem fácil de traçar, pois cada uma opera no seu campo próprio, com uma lógica e uma coerência específicas. Não se tratam, contudo, de campos estáveis: têm fronteiras que frequentemente se tocam e, inclusivamente, se intersetam. Abordar estas interferências é uma tarefa que tem vindo a ganhar relevo, embora de forma paulatina, pois tanto o meio académico como o meio editorial tendem a manter os dois campos separados. Este projeto pretende contrariar esta tendência.

No caso da arquitetura portuguesa, a separação é particularmente acentuada. E, não obstante, os arquitetos nascidos nas décadas de 1920 e 1930 tiveram uma visão holística da sua atividade profissional, que abarcou o projeto e a crítica da arquitetura, a investigação histórica e teórica, a ação cívica e o ativismo político. A contribuição desta geração (ou gerações, segundo as diferentes interpretações do termo) para a transformação da arquitetura portuguesa, e o seu reconhecimento internacional, é uma questão sobre a qual existe grande unanimidade. No entanto, não é invulgar que a sua obra se considere como o resultado de uma prática essencialmente empírica e intuitiva, alheia a qualquer esforço de sistematização ou teorização. Ideia reforçada pelo facto de, nessa obra, a produção escrita ter permanecido muito tempo num plano secundário, quando comparada com a produção arquitetónica.

O mesmo pode ser dito quanto à geração homóloga espanhola. Embora os contactos entre arquitetos ibéricos sempre tenham ocorrido de forma natural, estas foram as primeiras gerações a estabelecer fortes laços. Para tal contribuiu a organização dos Pequenos Congressos, os encontros que nos anos 1960 reuniram arquitetos de Madrid e de Barcelona e que acabaram por incluir profissionais de toda a Península Ibérica. O interesse partilhado por novas correntes de pensamento ocidental, a desconfiança em relação à herança do Estilo Internacional, e a resistência à ditadura explicam a aproximação, mas o que uniu de facto ambas gerações foi o compromisso com a dimensão cultural, ética e política da profissão.

O alargamento do campo de estudo à Península Ibérica segue a convicção de alguns especialistas sobre a semelhança dos processos de receção e assimilação da arquitetura moderna, e da sua revisão crítica, ocorridos em Portugal e em Espanha após a Segunda Guerra Mundial. É certo que o alargamento comporta também riscos, como o de não atender a especificidades estruturais, algo que podemos aceitar em prol da leitura panorâmica e da comparação —métodos corretivos do excesso de proximidade e do ensimesmamento. Reunir um número suficientemente amplo de arquitetos ibéricos permite oferecer um cenário comparativo sem criar a ilusão de estarmos perante um grupo fechado ou uma unidade coerente.

A habitação coletiva surge como tema central no debate arquitetónico dos anos 1960 e 1970. Os arquitetos ibéricos tiveram de enfrentar o desafio da produção em massa com uma indústria da construção subdesenvolvida, combinando técnicas industriais com técnicas artesanais. Ao mesmo tempo, as questões sociais saltaram para primeiro plano e vieram alterar a prática disciplinar, através de um contacto mais próximo com a população, por um lado, e de uma conceção mais cuidadosa dos espaços, particularmente dos espaços comunitários, por outro. Estes aspetos, vistos como uma resistência à inclinação globalizante e genérica da era pós-industrial, foram entretanto recuperados na Agenda da ONU para 2030, nomeadamente no objetivo n.º 11, “Cidades e comunidades sustentáveis”, para o qual esta investigação quer contribuir.

Um estudo que pretenda explorar as relações entre a teoria, a crítica, a história e a prática —a que Pedro Vieira de Almeida se referia como relações fortes pela evidente interseção dos seus campos de interesse— deve começar por um levantamento sistemático de textos que permita retirar esse corpus da “condição invisível” à qual foi submetido, por esquecimento ou falta de interesse. Esta foi a primeira fase do trabalho, realizada com o apoio de bases de dados, catálogos de biblioteca e, pontualmente, arquivos. A informação, digitalizada e organizada, foi posteriormente selecionada e hierarquizada em quadros-síntese. Estes ficheiros digitais foram depois adaptados a um formato físico que permitiu partilhar, com a comunidade académica, a produção escrita e a obra arquitetónica de vinte nomes incontornáveis do período em estudo. Os painéis, em formato desdobrável ou leporello, apresentam-se assim como pequenos atlas que abrem possíveis caminhos de investigação.

Desde um primeiro momento, constituiu igual preocupação que os dados recolhidos não tivessem um carácter meramente acumulativo, mas que servissem sobretudo para enunciar debates, inquietações, polémicas, conceitos e práticas que, numa teia de relações mais ou menos evidente, ajudem a configurar o complexo quadro cultural da época. Os textos, de diferente formato, publicados em livros, revistas e atas, ou apresentados em congressos, são portanto o resultado do esforço por dar um sentido narrativo a esses dados. Um sentido que, por outro lado, está em permanente revisão e atualização.